domingo, 1 de fevereiro de 2009

Guia de Viagem

Não conseguia encontrar o bendito guia de viagens que comprara há uns três anos, quando achava que iria fazer um curso de três meses em Nova York. Na ocasião, desistira da viagem poucos meses antes por conta do falecimento da mãe. Mas, agora, outra oportunidade tinha surgido, ainda mais interessante, e já estava com tudo acertado para viajar.

Lembrou daquele guia por acaso. Não era melhor que outros guias que poderia comprar em qualquer livraria. Mas sabia que, ali dentro, havia algumas preciosidades que não encontraria entre as milhões de páginas de todos os guias de Nova York do mundo juntos, em qualquer língua, em qualquer edição.

Procurava obstinadamente. Abriu todas as portas do armário, remexeu todas as gavetas, tirou os livros da prateleira e observou todos os espaços possíveis dentro daquele apartamento que, por sorte, não era muito espaçoso. Chegou à sala, que ainda tinha umas teimosas caixas que nunca foram abertas desde a última mudança, há não mais que dois meses. Começou a abrir a primeira caixa, a da impressora.

Copos de vidro devidamente embrulhados em jornal. Nunca sentira falta daquela coleção. Tinha outros copos no armário. E, de qualquer forma, usava sempre o mesmo copo de plástico amarelo para tomar refrigerante. Água, direto no gargalo. Cerveja, na lata ou na long neck. Toddynho, no canudo. Suco... suco?

Passou a fita adesiva na caixa da impressora com os copos embrulhados em jornal. Pegou a outra caixa que ficava imprensada entre a estante da TV e a parede da sala. Um caixa menor, originalmente de um abajour que ganhara no open-house que promovera, e que fora um fiasco. Não fazia idéia do paradeiro do abajour. Dentro de sua caixa, alguns pocket-books. Teve sua época compulsiva de comprá-los nas bancas de jornal.

Foi retirando um a um, espanando a poeira e observando quanto dinheiro havia gasto com uma literatura da qual lera pouquíssimos. Crime e Castigo (não conseguira ir além da página 49), O Príncipe (ainda plastificado), Cuca Fundida (esse leu inteiro, adorava o estilo Woody Allen de escrever), O Grande Gatsby (não conseguia se lembrar se leu), On the road, Dom Casmurro, Veríssimo, Neruda, Shakespeare, Angeli.

Até que, embaixo de tudo, embaixo de um castigado livro de receitas, com uma página de pavê de chocolate solta e amassada, estava o guia de Nova York que vinha procurando. Não se lembrava porquê tinha alocado naquela caixa de livros que não lera, nem leria. Ou, talvez, que não quisesse ler.

Abriu o guia, folheou. E, no meio de suas páginas, entre as dicas de restaurantes em Upper East Side, o bilhete dela. Desejos de boa viagem, de amor incondicional, votos de sucesso e de confiança plena. Aquele bilhete, escrito há três anos, não estava datado. Ele tinha certeza que o bilhete estava renovado. Não indicava o local, porque era pra qualquer lugar. Não tinha data porque seria pra sempre. Como dizia o epílogo do bilhete.

"Te amo pra sempre. Mama"

Um comentário:

  1. Talvez você esteja precisando de mais suco de Mama. O de caju é ótimo, e milagroso. ;)

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