sexta-feira, 22 de maio de 2009

Amanhecer

Acordou com o braço dormente. O braço direito, que tinha dormido embaixo do pescoço dela. Percebeu que o braço estava dormente quando tentou levantá-lo e trazer pra perto da barriga, e ele não veio. Ia levantar o braço porque ela já não estava mais deitada lá.

Na primeira vez que isso aconteceu - o braço ficar dormente - ele ficou lívido com o susto. Agora, já conhecia a situação. Com a mão oposta, esfregou o braço dormente. Primeiro um formigamento gradativamente crescendo, uma ligeira queimação com a circulação se normalizando, e então o relaxamento e a retomada dos movimentos. Um pouco dolorido por um tempo, até os músculos se reacostumarem com a condição.

Não viu as roupas dela no quarto. Tinha uma vaga lembrança do vestido ter caído no chão, em frente à porta, dos sapatos terem sido jogados pro canto e da calcinha largada displicentemente no pé da cama. Pois o dia amanhecia sem nada disso em seu quarto. Mas, sim, com uma pilha sobre a cadeira do computador, com um travesseiro, uma fronha já retirada e dobrada, e um edredom com ideogramas japoneses, porque ela sentia muito frio na madrugada, sobretudo nua. Ele, não. Dormira apenas sobre o lençol que forrava a cama e cujos elásticos já haviam se soltado das pontas do colchão.

Não conseguiu esconder - e tentou, mesmo que não houvesse ninguém mais lá - uma certa tristeza. Se dormir junto havia sido prazeroso (e, aqui, se referia, de fato, a dormirem juntos. Aquela noite fora a primeira em que isso acontecia após o sexo), acordar teria sido ainda mais entusiasmante. Pensou.

Levantou um pouco trôpego pelo sono e pelo vinho da véspera. No piloto automático, a ida costumaz ao banheiro. No espelho, viu que trazia olheiras mais vivas. Ou mais mortas, como a elas convém mais apropriadamente adjetivar. Podia fazer a barba, como sua mãe insistia. Ou deixar assim, calculadamente mal-feita, o que dava ainda mais trabalho, mas que ela, ao contrário de sua mãe, gostava muito. Dizia que dava um comichão gostoso nos beijos. Todos. E ele desistiu do espelho.

Ouviu então o estalo da torradeira. E viu a mesa da cozinha posta pra dois. Não tinha café, esquentei leite com nescau, ela disse, puxando a cadeira pra ele sentar. Voltou do fogão com dois ovos fritos, um pra cada, com um par de torradas. Foi beijá-lo, ele ofereceu os lábios fechados, não tinha escovado os dentes ainda. Ela não se importou, e não foi ruim.

E ela, como ele, ainda estava nua, coberta apenas com a camisa que ele se recusou a vestir como pijama na hora de dormir, ontem. As roupas dela estavam cuidadosamente dobradas e guardadas na gaveta do armário dele.

sábado, 16 de maio de 2009

Aeroporto

Estava no saguão do aeroporto com seu laptop à tiracolo. Todas as tomadas que tinha conseguido achar já estavam ocupadas por outros passageiros usuários de laptops. Estava usando o seu na bateria - que já estava perto do fim - na expectativa de que alguma das tomadas em que estava de olho fossem desocupadas, a tempo dele plugar o seu notebook e dar uma carga, para que conseguisse usar, também, no avião.

Faltavam quinze minutos para o início do seu embarque, e a cada minuto que se passava, tinha a sensação de que todos os outros passageiros usuários de laptop que ocupavam as tomadas do saguão de embarque eram, também, passageiros do seu mesmo vôo.

Perdeu um pouco a paciência com um sujeito que tinha ligado seu laptop apenas para ouvir música. Uma péssima música, aliás. E sem fones, como se todos ali precisassem escutar aquilo. Pensou em oferecer seu ipod para que o cidadão escutasse músicas sem ocupar uma tomada. Músicas melhores, inclusive. E com fones. E, assim, graças ao passageiro usuário de laptop que o usava apenas para escutar música, descobriu que tinha esquecido seu ipod.

Então viu um de seus alvos se levantar – e liberar uma tomada. Tinha sentado num local estratégico, de onde tinha visão panorâmica do saguão e facilidade de locomoção para quatro assentos vizinhos a tomadas. Assim, foi fácil ser o primeiro a chegar no disputado local. Tinha certeza que outros também visavam aqueles lugares, mas ele soubera trabalhar bem a combinação entre perspicácia e destreza.

Sentou-se, plugou seu laptop na tomada, e começou a usar. Não tinha muito o que fazer, é verdade. E, em cinco minutos, a primeira chamada de embarque. Resolveu aproveitar o tempo da prioridade dos idosos, gestantes e deficientes para continuar carregando sua bateria na tomada. Pela primeira vez não ia entrar na fila logo de cara, forçando um embarque. Tinha um pouco de agonia de espera.

Depois das prioridades, chamaram os passageiros sentados da fileira 15 em diante. Estava na 13. Respeitaria e iria aguardar um pouco mais pra embarcar, o que podia lhe garantir mais alguns minutos na recarga.

E esperou até ter seu nome anunciado no auto-falante.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Salto

Observava o horizonte através de um binóculo, sentado numa pedra firme em cima do monte mais alto. Sem binóculo via uma amplitude sem igual. Com as lentes, aproximava-se de um pedaço de mar, e sentia quase respingos do mar ao vento.

Passou boas duas horas na mesma posição, atento ao movimento quase estático do alto mar. Nenhuma embarcação, nenhum banhista, algumas aves voando. Nuvens passageiras e o olhar passeando entre as cores da água do mar.

E, pensando, pensando, ele via como se sentia mais solitário olhando um pedaço menor de mar através do binóculos do que se olhasse o mar inteiro no horizonte com seus olhos nus.

Deixou o binóculos de lado, se levantou. Decidiu aproximar os olhos nus do mar que vinha de longe, do alto da montanha mais alta. Saltou.