terça-feira, 1 de março de 2011

O pescador

Saiu pra pesca sem saber o que lhe reservava o mar. Parti de noite em águas turvas e vento suspeito, que dançava num ritmo descompassado e lhe confundia os pressentimentos. Mas encarou, confiando em sua embarcação sólida e em si mesmo, afinal, já não era nenhum novato nos mares. Ainda que estivesse dando suas primeiras remadas solo.

O começo não lhe reservou nenhuma novidade. Pouco via além de alguns palmos a frente, o vento torto ainda lhe gelava a espinha. De frio, mas também de medo. Pensou no mar cheio de peixes que certamente embalava aquele seu barquinho. Confiou na sorte, no instinto, mas ficou muito atento. E lançou a isca, já que só toda sorte do mundo faria um peixe pular voluntariamente dentro de seu balde.

Ficou horas. Horas de relógio, de fato, e não horas porque o tédio tomou conta. Durou muito mais tempo do que o tédio podia tomar conta. Deu tempo do tédio, do arrependimento, da depressão, da frustração e da revolta. Consigo mesmo. Com o mar, que tinha tanto peixe e nenhum mordia sua isca. Com o céu escuro, com o tempo fechado, com o vento embriagado, com a esperança tola.

Mas eis que de repente, não mais que de repente, a isca balançou. Só balançou. Ele começou a puxar. E a puxar mais e mais. Pesado, escuro, escondido nas águas turvas do mar, disfarçado pelo vento claudicante. Muito pesado. Ele puxava e puxava, e ainda estava vindo. Podia ser um peixe de almanaque, um recorde, um Guiness. Podia ser um cofre velho, cheio de moedas de ouro dentro. Podia ser um caixão com um cadáver putrefato. Podia ser um canhão de navio corroído pelas décadas de abandono submerso.

Podia ser tudo, e o que fosse poderia ser nada. Mas aqueles instantes de emoção e ansiedade pela descoberta já tinham-no feito esquecer todas as horas de angústia pessoal que havia passado até então dentro daquele barco naquela noite estranha em que saiu pra pescar.