sábado, 20 de junho de 2009

Extravio

A atriz do seriado de terça a noite estava no vôo. Às 11 da noite, usava óculos escuros e lenço no cabelo, num disfarce extremamente chamativo. Ele ficou olhando pra ela, primeiro na diagonal que seus assentos permitiam. Depois, na esteira das bagagens, quando chegou mais perto.

Ela era bem bonita, como na televisão. Sem o sofrimento de butique nem os diálogos sofríveis, parecia ainda mais atraente. Escutava seu ipod, agora com os óculos escuros já no topo da cabeça, com indiferença para o resto do mundo. Normal, ele também fazia o mesmo, inclusive para evitar conversas indesejadas com estranhos altamente simpáticos que sentam ao lado na fileira de poltronas do avião.

Observou de soslaio a atriz enquanto esperava sua própria bagagem. Ela olhava para o celular com uma freqüência grande, apesar da discrição com que executava os movimentos. Discrição insuficiente para enganar a observação firme, e ainda mais discreta, dele. Além da impaciência, ou com as horas – cedo ou tarde? – ou com alguma ligação – a fazer ou a receber? – a atriz sentia pesada sua bolsa. Por três vezes fez breves movimentos para acomodá-la no chão, mas desistiu todas as vezes. Trocou a bolsa de ombro duas vezes.

Com a demora da mala em surgir, ela tirou os fones do ouvido e desligou o ipod. A música parecia estar deixando-a mais nervosa com o andamento das coisas. Olhou o celular de novo. Olhou o monitor, conferiu o número do vôo e a companhia. Corretos, ambos.

Ele chegou mais perto da atriz. Procurou não demonstrar familiaridade com o rosto dela. Com sutileza, abordou-a e perguntou se ela também não recebera as malas. No momento em que a última sílaba saia, ele já notava a pergunta estúpida que fizera. Logo emendou um complemento, dizendo que também não tinham chegado as suas, e que iria reclamar naquele momento. Convidou-a a acompanha-lo. Ela sorriu e o seguiu.

Ele comentou que já era a terceira vez que isso lhe acontecia. Ela ficou surpresa, era sua primeira. Ela deixou escapar que a sorte dela era que ele já estava escolado nisso e seria de grande ajuda. Riu constrangida do comentário. Ele riu também, ela relaxou.

Ele se apresentou, ela também. Só mencionou o primeiro nome. Apertaram as mãos. Chegaram no guichê de bagagens extraviadas e ele assumiu o controle a partir dali. Ela não assistiu à cena. Saiu de lado e foi telefonar.

Ela voltou meia hora depois. Ele já tinha resolvido tudo e só a esperava, já fazia quase quinze minutos. As malas haviam viajado, só que foram alocadas num compartimento do bagageiro da aeronave que não chegou a ser aberto no desembarque por um erro operacional.

Ela agradeceu e se despediu, dessa vez com dois beijinhos. Ele sorriu de volta e, antes que pudesse tentar qualquer outro contato, ou galanteio, ela já saia apressada puxando sua mala de rodinhas pelo saguão e novamente fazendo uma ligação do seu celular.

Por algum momento, ele achou que viveria uma cena de filme com a atriz famosa da tevê. Mas, nem para os amigos mais chegados, iria admitir: pensou que era outra pessoa. Aquele nome dela não soou muito familiar.

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