segunda-feira, 6 de julho de 2009

Vida

Andava pela rua com o ipod no ouvido. Naquele dia, andava distraído. Tinha viciado numa banda nova, recém descoberta na trilha sonora de um filme de Tarantino. Andava sem pressa, mas obstinado a chegar em casa. Parou na faixa, olhou o sinal. A mãozinha vermelha piscando. Seguiu em frente, apertando o passo. No meio da faixa, a música parou. Ele se espantou e, por um instante, hesitou no andar. Ao mesmo tempo, o sinal fechou para os pedestres e abriu para os carros. Ouviu uma buzina estridente de um chevete velho que lhe esperava passar. Odiava buzinas. Indignado, mostrou o dedo médio e mandou o filho da puta tomar no cu.

Terminou de atravessar a rua. A porta do chevete velho parado no sinal se abriu e o motorista saiu do carro, armado com um revólver na mão. Ele só teve tempo de olhar e arregalar os olhos. Bum, um tiro na cabeça. O tiro abafou o xingamento do homem.

Girou sobre os pés e foi caindo em câmera lenta, vendo o atirador soltar um último palavrão. Caiu no chão, ainda com os olhos abertos, vendo o motorista encará-lo com olhos vidrados.

Essa queda não durou 1 segundo.

Mas, nesse segundo, ele pensou o quanto estúpido era morrer por uma troca de xingamentos no trânsito. O quão tolo era morrer vítima de um troglodita assassino. O quão vergonhoso seria quando os pais soubessem que ele morreu porque deu dedo para o cara errado. O quão em vão seria morrer com uma bala na cabeça na calçada daquela rua insignificante do bairro.

Decidiu que não ia morrer assim. Quando do impacto do seu corpo com o chão, já estava decidido a se levantar e resolver essa pilhéria. E foi o que fez. Caiu e levantou-se. O motorista se assustou, ainda com a arma em mãos, com aquele corpo ensanguentado que vinha pra cima dele com fúria. Ele pegou o motorista pelo colarinho - e era um homem bem mais corpulento que ele - e entortou-lhe o braço que segurava a arma. O motorista deixou a arma cair. Jogou então o motorista contra o capô do carro e apertou seu rosto na lataria, escaldante naquele dia de sol.

Nisso chegou a polícia e uma ambulância. Transeuntes e moradores da área se aglomeravam, assistindo à confusão. A polícia se encarregou do motorista, um fugitivo com alguns mandados de prisão nas costas. Os médicos foram checá-lo. Ele disse que fora só um tiro de raspão. Não quis ir pra hospital nenhum. Enxugou o sangue no rosto, apenas, já que a ferida já não jorrava mais, e saiu dali, sentindo-se forte e disposto.

As coisas, a partir desse dia, pareciam melhorar. Seu ipod voltou a funcionar. Sua namorada o procurou, buscando uma reconciliação. Foi efetivado no estágio. Seu time saiu da zona de rebaixamento na reta final do campeonato.

Estava levando a melhor vida que podia imaginar. Parecia um sonho. E quando a vista começou a ficar turva e ele começou a ouvir vozes estranhas a todo momento, descobriu sua real situação. E escolheu permanecer, e lutar, não sabia como, pra não sair do coma.

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