quinta-feira, 18 de junho de 2009

Ah, os anos 50

Por culpa de um estranho acidente doméstico envolvendo eletricidade e uma forte queda, ele foi parar no início dos anos 50. Acordou meio confuso, mas de cara já viu a decoração retrô - para ele - do quarto. Saiu de lá ainda tonto e, na sala, encontrou uma festinha. Muito gel, muita saia rodada de bolinha, cintura marcada, sapatinhos, camiseta dobrada no braço. Os meninos de James Dean, as meninas de Doris Day. Não eram muitos, mas estavam animados.

Alguém o abordou curioso. Perguntaram a respeito do seu pijama. Perguntaram por que ele tinha brincos na orelha e na sobrancelha. Um garoto perguntou se ele era fruta. Uma menina cochichou com a outra que eram pontos cirúrgicos. Ninguém gostou muito.

Ele confirmou em que ano estavam. 52. As pessoas acharam que ele estava usando algum alucinógeno. Um cara tentou descolar algum com ele. Quem era o presidente do Brasil? Getúlio. Que engraçado. Ele ainda está vivo, pensou alto. E a moçada se entreolhou. Era estranho estar num tempo em que o Brasil nunca tinha sido campeão mundial de futebol. Estava, aliás, mais perto do maracanaço que de 58.

Começou a se entrosar. Expôs suas teorias baseadas nas verdades futuras que impressionaram um pouco. Avisou pra ninguém botar muita fé em Getúlio que as coisas iam feder no Catete. Disse ainda que o Rio deveria deixar de ser capital, que o Brasil deveria interiorizar os seus poderes. Alguns acharam uma boa, outros acharam uma bosta. Ele foi além e deu uma idéia de um nome para uma possível capital do Brasil: Brasília, que deveria ser construída no meio do planalto central, totalmente planejada. Riram dele.

Até que alguém veio com um violão. Ele vislumbrou aí a chance de atrair toda a atenção e popularidade que sempre sonhara. Em toda sua vida, nunca fora destaque. E agora, mais de cinquenta anos atrás, tinha sua chance. Pediu o violão que estava sendo entregue a um baixinho de óculos e emendou a novidade para aqueles jovens provincianos: rock'n roll. Primeiro atacou de Beatles, e viu a galera se ouriçar. Mandou Elvis, fez dancinha e rebolado. A moçada enlouqueceu. Foi além e arriscou um Nirvana. Aí foi longe demais, ninguém entendeu nada e não agradou. Voltou atrás, mais Beatles. Sucesso.

Viu que era por aí. A popularidade não viria com papos de política. Investiu na cultura pop. Começou a contar uma história de ficção científica. Um mundo paralelo, onde pessoas com dons especiais, os cavaleiros jedis, travavam uma batalha contra o lado negro da força. Contou das naves, dos sabres de luz, da transformação de Anakin em Darth Vader, da relação dele com Luke Skywalker. Prendeu a atenção de todos. Antecipava Guerra nas Estrelas em 25 anos e surpreendia a platéia a cada lance.

O baixinho de óculos que tocava violão chegou pra perto dele e pediu que lhe ensinasse aquela levada, aquele ritmo. Claro, chega aí. Como você se chama? O baixinho sentou do lado dele, sempre falando baixo. João.

Depois escutou um garoto de não mais que 13 anos dizer que precisava contar aquela história no cinema. Que tinha visto Metropolis e achado incrível, e que aquela história de lasers, guerras intergaláticas e heróis e vilões daria um filme perfeito. Ah, nunca você iria conseguir fazer de um jeito bom, Gláuber, agouravam alguns. Isso é pura fantasia.

Então ele começou a perceber onde estava. O baixinho de óculos se chamava João Gilberto. Gláuber Rocha era a criança encantada por Guerra nas Estrelas. E havia outros ali. Reconheceu Jorge Amado fumando na janela e tentando inventar uma história de robôs, Chico Buarque tentando tirar Beatles de ouvido, Oscar Niemeyer cismando em desenhar os bonecos do filme de guerra estelar de Glauber. Chegou a dizer "arquitetura é um saco, é tudo art nuveau nessa cidade. Vou fazer quadrinhos!"

Em uma festinha, ele tinha arruinado com as futuras manifestações artísticas mais famosas do país. Tinha que consertar. Chegou em João Gilberto com o violão e começou a lhe ensinar a batida da bossa nova. João olhou com atenção. Porra, chato pra caralho isso aí. Manda de novo aquela agitada do rebolado!

Tentou depois contar pra Glauber uma história de sertão. Antônio das Mortes era o personagem. Falou do cangaço, apelou pras raízes baianas dele. Nada. O pequeno Glauber só queria saber mais de robôs, Jedis e se Han Solo podia ter sabre de luz sem ser Jedi.

Ele acabou com a Bossa Nova, extirpou o Cinema Novo de seu cineasta mais ilustre e lançou um roqueiro que canta baixinho e um George Lucas terceiromundista para a cultura brasileira.

3 comentários:

  1. junho parece ter te inspirado. os últimos textos estão muito bons :)

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  2. mas o maracanazo foi em 50. o brasil foi campeão em 58, 62, 70...

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  3. Então, se ele estava em 52, ele estava mais perto do maracanazo (dois anos de diferença) do que to título de 58 (seis anos)

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