quinta-feira, 9 de abril de 2009

Literatura para principiantes

Adaptava clássicos para as massas. Fazia uma dona de casa apreender Joyce. Já tinha visto um cobrador de ônibus lendo sua versão de Crime e Castigo. Não eram adaptações declaradas, mas ele roubava as histórias dos clássicos e reembalava numa linguagem simples, acessível. Pobre, mesmo. Recortava as partes que mais lhe convinham da obra e lhes dava um teor mais sensacional - no sentido apelativo do termo.

Os críticos e acadêmicos lhe torciam o nariz, mas seus livros estavam vendendo bem. A edição simplória e de baixo custo facilitava o preço de capa a menos de 10 reais. A academia passava a discutir a função social daquele projeto de literatura. Pessoas que raramente liam alguma coisa estavam devorando livros. Sem saber, estavam até tendo contato com a mais alta estirpe da literatura mundial. Mas a dúvida era sobre a validade desse contato. Pior, sobre a nocividade.

Mas ele seguia seu caminho. O dinheiro entrava constantemente, como nunca antes em sua vida. E, escondido num pseudônimo, escondia também sua verdadeira identidade. Tinha uma fama que não utilizava. Até porque, no fundo, era também um intelectual. Para adaptar ao gosto popularesco obras de tal quilate, era preciso lê-las todas - e compreendê-las, a ponto de poder subvertê-las. Esse crédito a sociedade literata lhe negava. Sentia, sim, vergonha do que fazia, pois era, de todos, o que mais tinha consciência. Mas, mais que um intelectual, era um burguês. Mas não eram todos, afinal? Todos os intelectuais são obrigatoriamente burgueses.

Por outro lado, não assumir-se publicamente era uma ferramenta util para ampliar os negócios. Passou, agora como ele mesmo, nome, sobrenome e rosto, a criticar suas próprias obras, mas que pertenciam ao invisível senhor pseudônimo. Como crítico, era o mais rigoroso e o mais justo. Atacava inapelavelmente, sabia os pontos mais fracos. Conseguiu satisfazer-se como critico e, ao mesmo tempo, deixar seu produto mais rentável tendo mídia espontânea com frequência.

Foi contratado por uma revista de grande circulação nacional. Era o único capaz de criticar as versões fajutas dos clássicos com embasamento. Andou desconfiando que, na real, era o único que tinha lido aqueles livros de verdade.

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