segunda-feira, 9 de março de 2009

O herdeiro

Recebeu uma herança. Podia dar entrada num apartamento, nada muito grande, mas num bairro legal. Podia comprar um carro, melhor que o Escort Hobby 94 que ele insistia em colocar nas ruas, podia ter ar condicionado e travas elétricas. Uma viagem longa, pro exterior, com algum luxo, também era possível.

Não desejava a morte de ninguém, mas não podia negar que ficara, de certo modo, "agradecido" pelo dinheiro. Sentia-se mal com isso, mas pôs na cabeça que a melhor forma de homenagear o falecido e sua generosidade, era gastar bem a quantia herdada. A primeira coisa que fez, ao cair na conta, foi ir a um restaurante tailandês que já vinha namorando há algum tempo. Comeu um peixe desconhecido com um molho escuro de nome impronunciável, feito só de consoantes e um ou outro acento. E amêndoas.

Precisava decidir o destino do dinheiro. As frivolidades e pequenas extravagâncias do dia-a-dia, como o restaurante tailandês ou um terno Ermenegildo Zegna não chegavam a causar grande estrago nos números bancários. Mas, tinha consciência, não podia torrar tudo nisso, mesmo que garantissem quase um ano inteiro de luxo.

Procurou apartamento nos classificados. Chegou a fazer algumas visitas, mas nada empolgou, principalmente a falta de segurança de pagar o restante do financiamento. Viu alguns modelos de carro, importados até. Pesquisou e descobriu a taxa de desvalorização de um automóvel com apenas um ano de uso. Foi o bastante para esfriar a idéia de comprar o cabine dupla japonês.

Pensou em ações na bolsa, mas de inconstante já bastava ele. Não era de arriscar muito. Aplicou no banco, inicialmente, num investimento seguro, só que ligeiramente melhor que a poupança. Os rendimentos da herança permitiam um jantar elegante por semana, pra ele. Ou dois por mês, se acompanhado.

Decidiu tirar 10% da herança pra fazer uma viagem de cinco dias pra Buenos Aires. Ia dar pra se hospedar um hotel chique em Puerto Madero, comer bem, passear e fazer compras. Ficou mal acostumado. Resolveu pegar mais um tanto e dar uma esticada na Europa. Agora os gastos já tinham trocado a dezena da conta bancária. Tomou um susto no último extrato.

Foi procurar ajuda profissional. Contratou uma assessoria de investimento. Gente que tratava negócios como business. Desistiu deles no primeiro mês. Achou que não combinava com ganância. Percebeu que, no fim das contas, não combinava muito com dinheiro. Achou que tinha sina de pobre. Ficou com medo.

Foi ao psicólogo. Frequentou centros de tratamento, foi a palestras de auto-ajuda. Manteve a terapia por seis meses.

Curou-se. Não sabe ainda se foi por causa dos tratamentos, ou se por ter ficado sem dinheiro. Os honorários dos psicólogos estavam pela hora da morte.

Um comentário:

  1. sina de gente rica... gastar dinheiro com terapia... tsc tsc! sou mais tomar umas e ficar alegrinha nos momentos de deprê.

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