domingo, 1 de março de 2009

O Craque - Parte II

Não imaginava que a recuperação seria tão dolorosa. Os meses nunca foram tão longos. As horas de fisioterapia lhe roubavam a alegria do resto do dia. Sua mãe e sua irmã vieram do interior para lhe fazer companhia. Algumas vezes perdeu a compostura, desobedeceu às ordens médicas, aos conselhos da mãe e à vigilância da torcida. Foi visto em boates, bebendo e fumando. Ser visto significava ser fotografado. Ser fotografado significava ser julgado e criticado. Às vezes, extorquido. Foi visto saindo de bordéis. Pagou caro pela não publicação das fotos a um reporter escroque de uma revista escrota.

Voltou a jogar aos poucos, já sem tanto alarde da imprensa. Entrou no segundo tempo nas primeiras partidas, sem conseguir desempenhar seu melhor futebol. Faltava-lhe ritmo de jogo e sobrava-lhe receio em partir pra cima dos adversários, entrar em disputas mais ríspidas de bola e tentar dribles mais ousados e desconcertantes.

Passou a ser questionado pela torcida e pela imprensa. Ficou arredio, dava respostas atravessadas nas entrevistas e pouco se relacionava com seus colegas de clube, "traíras", em sua opinião. Em uma entrevista, questionou publicamente o treinador por não escalá-lo. "Perdi minha vaga no time por um carrinho criminoso, fazia dois gols todo jogo. Agora tenho que ficar no banco de um cara que faz o goleiro adversário parecer maior que o gol. Mas a culpa não é dele, que Deus que fez assim, é do treinador que bota pra jogar."

Foi desligado do time principal e passou a treinar com o time B. Rebelou-se, disse que assim não vestia aquela camisa. Ameaçaram-no de processo, demissão com justa causa, e ele teria que pagar o valor da recisão. Orientado por seu empresário, fingiu contusão. A relação com o clube ficou insustentável. Dava seguidas declarações criticando o time, o clube, a estrutura, o treinador. Mas o clube não pretedia livrar-se do jogador gratuitamente, ainda tinha esperança que ele voltasse a ser um produto tipo exportação bem rentável.

Resolveram emprestá-lo para uma equipe de menor porte do interior do estado. No início, ficou irritado e desmotivado. Mas, na primeira entrevista como jogador do time caipira, perguntado se seu futuro seria nos times menores, disse apenas: "se não for o artilheiro do campeonato, me mato". Encerraram a coletiva. A frase drástica foi assunto em todos os jornais. Não deu mais entrevistas depois disso. Rendeu a polêmica que almejava, ele voltara a ser notícia. E iria usar o descrédito como motivação.

Seu time foi um mero coadjuvante no campeonato, mas ele, sem dar nenhuma entrevista mais, nem comparecer à nenhuma mesa redonda, foi o artilheiro do certame. Foi recolocado no time de ponta, com quem tinha contrato. Mas aquela camisa ele não vestiria nunca mais.

Continua.

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