Não imaginava que a recuperação seria tão dolorosa. Os meses nunca foram tão longos. As horas de fisioterapia lhe roubavam a alegria do resto do dia. Sua mãe e sua irmã vieram do interior para lhe fazer companhia. Algumas vezes perdeu a compostura, desobedeceu às ordens médicas, aos conselhos da mãe e à vigilância da torcida. Foi visto em boates, bebendo e fumando. Ser visto significava ser fotografado. Ser fotografado significava ser julgado e criticado. Às vezes, extorquido. Foi visto saindo de bordéis. Pagou caro pela não publicação das fotos a um reporter escroque de uma revista escrota.
Voltou a jogar aos poucos, já sem tanto alarde da imprensa. Entrou no segundo tempo nas primeiras partidas, sem conseguir desempenhar seu melhor futebol. Faltava-lhe ritmo de jogo e sobrava-lhe receio em partir pra cima dos adversários, entrar em disputas mais ríspidas de bola e tentar dribles mais ousados e desconcertantes.
Passou a ser questionado pela torcida e pela imprensa. Ficou arredio, dava respostas atravessadas nas entrevistas e pouco se relacionava com seus colegas de clube, "traíras", em sua opinião. Em uma entrevista, questionou publicamente o treinador por não escalá-lo. "Perdi minha vaga no time por um carrinho criminoso, fazia dois gols todo jogo. Agora tenho que ficar no banco de um cara que faz o goleiro adversário parecer maior que o gol. Mas a culpa não é dele, que Deus que fez assim, é do treinador que bota pra jogar."
Foi desligado do time principal e passou a treinar com o time B. Rebelou-se, disse que assim não vestia aquela camisa. Ameaçaram-no de processo, demissão com justa causa, e ele teria que pagar o valor da recisão. Orientado por seu empresário, fingiu contusão. A relação com o clube ficou insustentável. Dava seguidas declarações criticando o time, o clube, a estrutura, o treinador. Mas o clube não pretedia livrar-se do jogador gratuitamente, ainda tinha esperança que ele voltasse a ser um produto tipo exportação bem rentável.
Resolveram emprestá-lo para uma equipe de menor porte do interior do estado. No início, ficou irritado e desmotivado. Mas, na primeira entrevista como jogador do time caipira, perguntado se seu futuro seria nos times menores, disse apenas: "se não for o artilheiro do campeonato, me mato". Encerraram a coletiva. A frase drástica foi assunto em todos os jornais. Não deu mais entrevistas depois disso. Rendeu a polêmica que almejava, ele voltara a ser notícia. E iria usar o descrédito como motivação.
Seu time foi um mero coadjuvante no campeonato, mas ele, sem dar nenhuma entrevista mais, nem comparecer à nenhuma mesa redonda, foi o artilheiro do certame. Foi recolocado no time de ponta, com quem tinha contrato. Mas aquela camisa ele não vestiria nunca mais.
Continua.
Modus operandi da escrita
Há 10 anos
Adoreeeei "se eu não for artilheiro, me mato"...
ResponderExcluircontinua! continua!
Ei, tá virando novela! Vou ter que dar audiência!
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