quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O velho e o moço

Andava na rua seguindo o mesmo caminho de todo dia. Era impressionante como andava sempre pelas mesmas calçadas, atravessava as ruas pequenas sempre nos mesmos pontos e ziguezagueava pelas mesas de bar na calçada num mesmo trajeto. Sempre com música nos ouvidos e mochila nas costas.

Entretanto, bem naquele dia, naquela hora, foi abordado por um velhinho. Magro, enrugado, cabelo ralo e branco polar. Bem vestido, com uma camisa de mangas compridas e um pulôver de lã. O velho o abordou com distinção. E ele tirou os fones do ouvido, para escutar o que aquele senhor que lhe lembrava Paulo Autran em alguma coisa na TV, tinha a dizer.

Tão logo após a educada abordagem, o velhinho explicou que não era dali, que era da baixada, e tinha caído doente há alguns dias. Acabara de sair do hospital público ali do bairro, e não tinha como pegar seu ônibus para voltar pra sua cidade. Também não tinha parentes ali a quem recorrer. Não explicou como ou porquê tinha ido parar na cidade. Mas reiterou que não tinha dinheiro pra voltar.

Só que, diferente do que imaginara, o velhinho não queria esmola. Não pediu dinheiro. Não lhe cabia esse papel. Precisava de dinheiro, e pretendia conseguí-lo. Mas, aos 80 anos, não se tornaria mendigo. Tampouco ladrão, obviamente. Porque o que lhe segurava na vida, ainda, era a sua dignidade. Sequer cogitou pedir o dinheiro a alguém. Resguardaria, eternamente, sua dignidade.

O velho segurou com as duas mãos no pulôver de lã. Gostaria de vendê-lo por 5 reais, para que pudesse pagar sua passagem na van intermunicipal. 5 reais pelo pulôver de lã que estava usando naquela manhã fria. 5 reais no pulôver do velho, pra que ele pudesse comprar sua passagem de volta pra casa. 5 reais.

Mas, com apenas uma nota de 20 na carteira, ele não fez nada. Disse ao velho que não podia ajudar, que estava sem dinheiro. Que sentia muito, e desejou boa sorte, disse que certamente ele conseguiria resolver logo seu problema. Na verdade, sua intenção era dizer tudo isso, mas certamente o velho não compreendeu as palavras que saíram emboladas de sua boca, tamanho o nervosismo com a situação que ali se apresentava.

Saiu. E em poucos metros já estava arrependido. Deveria ter dado os 20 reais inteiros para o velho, sem pulôver em troca. Agora, já estava achando até que deveria ter levado o velho até a casa dele, comprado remédios pro velho, deveria tê-lo salvo sabe-se lá do quê.

Mas só deveria ter tido um pouco mais de dignidade ele próprio, em face à dignidade em pessoa que estava a sua frente. Sentiu vergonha de si mesmo naquele dia.

Um comentário:

  1. Grande texto. Acho que voce tocou na ambivalencia do dinheiro e dignidade, principalmente hoje no lema Money is Lord, assunto espinhoso ainda mais temperado com diferentes geracoes...

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