sexta-feira, 10 de julho de 2009

Pedestre

Decidiu não parar em nenhum sinal vermelho. Era pedestre, é bom ressaltar. Saiu da estação de metrô e prometeu a si mesmo não esperar na faixa. Se permitia acelerar ou retardar o passo, mas nunca parar. Teria três ruas a atravessar pela frente.

Atravessou a primeira rua com certa facilidade. A rua em frente a estação de metrô não era muito movimentada. Mesmo com sinal aberto para os carros, passaram ele e uma mulher com um carrinho de bebê.

A segunda rua parecia ser mais desafiadora. Ele foi com passos firmes, mas já olhando para a rua, antevendo os futuros movimentos. Acelerou o passo para chegar na metade da faixa, calculando o espaço entre um Pálio cinza lento e um Vectra mais acelerado. Passou na frente do pálio e reduziu o passo para que o Vectra passasse por ele. Depois acelerou novamente para evitar o Corsa que vinha logo atrás e lhe soltou uma buzina generosa. Por fim, ainda precisou dar um pulo no susto pra desviar de um maldito entregador de supermercado.

Seguiu pela calçada de uma rua estreita que fazia a ligação com a próxima rua que deveria atravessar. Preparou-se para uma corrida frenética pois uma avalanche de carros se prenunciava adiante na rua, oriundos de um sinal recém tornado verde. Botou o primeiro pé na faixa e preparou o impulso.

Os carros pararam. Um a um, foram freiando de leve e aguardando que ele atravessasse a rua. Ele só percebeu a situação quando já estava na metade da faixa, numa corrida cega e desengonçada. Não conseguiu evitar que parasse e observasse a situação, incrédulo. E, assim, perdeu a aposta consigo mesmo.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Vida

Andava pela rua com o ipod no ouvido. Naquele dia, andava distraído. Tinha viciado numa banda nova, recém descoberta na trilha sonora de um filme de Tarantino. Andava sem pressa, mas obstinado a chegar em casa. Parou na faixa, olhou o sinal. A mãozinha vermelha piscando. Seguiu em frente, apertando o passo. No meio da faixa, a música parou. Ele se espantou e, por um instante, hesitou no andar. Ao mesmo tempo, o sinal fechou para os pedestres e abriu para os carros. Ouviu uma buzina estridente de um chevete velho que lhe esperava passar. Odiava buzinas. Indignado, mostrou o dedo médio e mandou o filho da puta tomar no cu.

Terminou de atravessar a rua. A porta do chevete velho parado no sinal se abriu e o motorista saiu do carro, armado com um revólver na mão. Ele só teve tempo de olhar e arregalar os olhos. Bum, um tiro na cabeça. O tiro abafou o xingamento do homem.

Girou sobre os pés e foi caindo em câmera lenta, vendo o atirador soltar um último palavrão. Caiu no chão, ainda com os olhos abertos, vendo o motorista encará-lo com olhos vidrados.

Essa queda não durou 1 segundo.

Mas, nesse segundo, ele pensou o quanto estúpido era morrer por uma troca de xingamentos no trânsito. O quão tolo era morrer vítima de um troglodita assassino. O quão vergonhoso seria quando os pais soubessem que ele morreu porque deu dedo para o cara errado. O quão em vão seria morrer com uma bala na cabeça na calçada daquela rua insignificante do bairro.

Decidiu que não ia morrer assim. Quando do impacto do seu corpo com o chão, já estava decidido a se levantar e resolver essa pilhéria. E foi o que fez. Caiu e levantou-se. O motorista se assustou, ainda com a arma em mãos, com aquele corpo ensanguentado que vinha pra cima dele com fúria. Ele pegou o motorista pelo colarinho - e era um homem bem mais corpulento que ele - e entortou-lhe o braço que segurava a arma. O motorista deixou a arma cair. Jogou então o motorista contra o capô do carro e apertou seu rosto na lataria, escaldante naquele dia de sol.

Nisso chegou a polícia e uma ambulância. Transeuntes e moradores da área se aglomeravam, assistindo à confusão. A polícia se encarregou do motorista, um fugitivo com alguns mandados de prisão nas costas. Os médicos foram checá-lo. Ele disse que fora só um tiro de raspão. Não quis ir pra hospital nenhum. Enxugou o sangue no rosto, apenas, já que a ferida já não jorrava mais, e saiu dali, sentindo-se forte e disposto.

As coisas, a partir desse dia, pareciam melhorar. Seu ipod voltou a funcionar. Sua namorada o procurou, buscando uma reconciliação. Foi efetivado no estágio. Seu time saiu da zona de rebaixamento na reta final do campeonato.

Estava levando a melhor vida que podia imaginar. Parecia um sonho. E quando a vista começou a ficar turva e ele começou a ouvir vozes estranhas a todo momento, descobriu sua real situação. E escolheu permanecer, e lutar, não sabia como, pra não sair do coma.